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Nos bastidores do Haicai Brasileiro
História do Haicai
Matsuo Bashô (1644-1694)
hana no kumo
kane wa ueno ka
asakusa ka

Tradução:

Nuvem de flores –
Este sino será de Ueno?
Será de Asakusa?


A cabana de Bashô situava-se em Edo, antigo nome de Tóquio, quase às margens do Rio Sumida, na localidade de Fukagawa. Na margem oposta, a distância, era possível observar o Templo Sensôji em Asakusa. Um pouco além, também seria possível divisar o Templo Kan’eiji, em Ueno, locais hoje separados por algumas estações de metrô. Porém, na primavera, a paisagem era dominada por uma grande massa de cerejeiras floridas, como se houvesse uma nuvem pairando sobre a terra. Quando o poeta ouviu um sino tocar, não conseguiu distinguir de qual dos templos provinha, encobertos que estavam pelas flores. Seria Ueno ou Asakusa? Devido ao clima de tranqüilidade primaveril, pode-se imaginar que o sino é o do meio-dia, quando a temperatura é tépida e agradável, em contraste com o frio do entardecer. Bashô era freqüentemente requisitado a caligrafar esse haicai, prova de que o poema foi muito popular em sua época. A estrutura em forma de pergunta revela a atitude confortável e despreocupada do autor. O kigo (termo de estação) é hana no kumo (nuvem de flores de cerejeira).

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Matsuo Bashô (1644-1694)
furu ike ya
kawazu tobikomu
mizu no oto

Tradução:

Olha o velho lago –
Após o salto da rã
O barulho da água.


Trata-se do haicai mais famoso de todos os tempos, o que não quer dizer que seja o melhor haicai do mestre. Hoje, aceita-se que foi apenas o poema que inaugurou a escola de Bashô, denominada Shôfû. Conta-se que ele estava reunido com os discípulos, quando apresentou os versos “kawazu tobikomu/ mizu no oto” (barulho da água após o salto da rã), propondo que alguém os completasse. Como numa paródia, que distorce valores estabelecidos para gerar humor, a novidade de Bashô era que a rã não se fazia representar pelo seu canto, como na poesia tradicional, mas apenas indiretamente, pelo ruído de sua entrada na água. Kikaku propôs que o primeiro verso tivesse a palavra “yamabuki” (rosa japonesa, Kerria japonica), para formar uma combinação tradicional com a rã. Mas Bashô, para assombro dos presentes, replicou com “furu ike” (velho lago), originando, assim, um foco de tensão entre a tranqüila solidão do velho lago e o salto inesperado da rã que perturba o ambiente com seu barulho. O kigo (termo de estação) é kawazu, rã, correspondente à primavera.

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Matsuo Bashô (1644-1694)
meigetsu ya
ike o megurite
yo mo sugara

Tradução:

Ah, lua de outono –
Caminhei a noite inteira
Em torno do lago.


Mesmo em nossos dias, poetas reúnem-se para apreciar a lua, no Japão e até no Brasil. Mas, ao tempo de Bashô, tais ocasiões, denominadas tsukimi, eram muito mais populares. Vagar sem rumo sob o luar, perdendo a noção do tempo, não era uma atitude estranha às pessoas elegantes. A inspiração poderia vir de versos como os do chinês Li Po (701–762): “Ao erguer a cabeça, desejo a lua; ao baixar a cabeça, penso em minha terra”. Podemos imaginar Bashô e seus discípulos numa clara noite de lua cheia, circundando incessantemente o lago, quase como se estivessem em transe, mas, às vezes, parando para olhar o céu. Aliás, o lago é o mesmo à beira do qual foi composto o haicai da rã. Encontramos o Mestre perdido em devaneios, pensando na vida, naqueles que deixou em sua terra natal, na arte do haicai, no passado e no futuro. A estrutura simples e direta deste poema nos permite interpretações abertas. O kigo é meigetsu, literalmente lua renomada, a lua cheia do meio do outono, correspondente ao dia 15 do oitavo mês do calendário lunar (aproximadamente setembro), considerada a lua mais bela de todas.

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Matsuo Bashô (1644-1694)
michi no be no
mukuge wa uma ni
kuware keri

Tradução:

À beira da estrada
A flor do hibisco, e o cavalo
De pronto a comeu!


Alguns sustentam que este poema traduz a idéia budista da impermanência do mundo material. Outros dizem que trata de exaltar as virtudes da modéstia e da discrição. Provavelmente, o próprio autor só quis descrever o que se passou à frente de seus olhos. A ocasião se deu em 1684, durante a jornada que daria origem ao seu primeiro diário de viagem, Nozarashi kikô (Diário de um esqueleto exposto ao tempo). Montado em um cavalo, Bashô se vê atraído pela beleza dos hibiscos à beira do caminho. Ele aproxima-se lentamente de um dos arbustos, cada vez mais fascinado e absorto, fixando o olhar em uma das flores. De repente, a cabeça do cavalo intromete-se em seu campo visual e, com uma mordida, arranca a flor do ramo. Bashô assusta-se com o movimento inesperado e volta a si. A flor que tanto o atraíra desapareceu, mas permanece como imagem vívida em seu pensamento. A descrição de um fato ocorrido à frente dos olhos, feita de improviso e sem quaisquer enfeites, é o maior mérito deste haicai e cabe ao leitor interpretá-lo. O kigo (termo de estação) é mukuge, hibisco, correspondente ao outono.

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Matsuo Bashô (1644-1694)
nozarashi o
kokoro ni kaze no
shimu mi kana

Tradução:

No pensamento
Um esqueleto abandonado –
Arrepios ao vento.


Este haicai foi escrito em 1684, como parte do primeiro diário de viagem de Bashô, Nozarashi kikô (Diário de um esqueleto abandonado ao tempo). Especialmente após o falecimento de sua mãe e, meses antes, o incêndio que destruiu sua cabana, Bashô convenceu-se de que nada é permanente na vida e que, sendo assim, o homem é um eterno viajante em sua passagem pela terra. Por causa disso, Bashô começou a empreender viagens pelo interior do Japão, com o propósito de se fortalecer espiritualmente. Nesse haicai, o poeta mostra sua firme disposição de partir, ainda que esteja consciente dos perigos da jornada, como o de eventualmente morrer no caminho, por causa de alguma doença ou um ataque de bandidos, vendo seu corpo se transformar, por fim, num esqueleto abandonado à beira da estrada. Ao pensar em tudo isso, o vento de outono que ora sopra parece penetrar na pele, provocando arrepios. O kigo (termo de estação) é shimu mi ou mi ni shimu, literalmente “penetrar no corpo”, que se refere à sensação vivida à medida que o outono se aprofunda e o frio torna-se mais forte.

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Matsuo Bashô (1644-1694)
bashô nowaki shite
tarai ni ame o
kiku yo kana

Tradução:

Bananeira ao vendaval de outono –
Noite de ouvir a chuva
Pingando numa bacia.


É noite de outono e um forte vendaval castiga a bananeira. De dentro da cabana de sapé, ouve-se apenas o drapejar de suas grandes folhas sendo rasgadas pelo vento. Também se ouve o ruído incessante de uma goteira, pingando sobre uma bacia. Essas sensações resumem as circunstâncias de solitude e despojamento em que Bashô vivia na época. O haicai foi escrito em 1681, quando o autor contava 38 anos de idade. No ano anterior, ele se mudara para uma cabana nas terras de seu discípulo Sampû, um próspero mercador de peixe. Outro discípulo, Rika, presenteou-o com uma muda de bananeira, de uma variedade sem frutos conhecida por bashô, que o mestre plantou em seu terreno. Ela logo cresceu e o lugar passou a ser conhecido por “cabana de bashô”. Não tardou que o próprio morador trocasse seu nome de Tôsei para Bashô. O kigo é nowaki, vendaval de outono. Não é uma palavra usada modernamente, tendo sido substituída, no uso cotidiano, por taifû (tufão). Entretanto, é mais abrangente, já que o tufão sempre vem acompanhado de chuva, enquanto nowaki pode ou não tê-la. No original, o haicai conta 8-7-5 sílabas.

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Matsuo Bashô (1644-1694)
kare-eda ni
karasu no tomari keri
aki no kure

Tradução:

Sobre o galho seco
Um corvo pousado –
Entardecer de outono.


Este haicai traduz em versos um tema tradicional da pintura sumiê. No galho de uma árvore, da qual já caíram todas as folhas, um corvo pousado resume a atmosfera do outono que se aprofunda. Inicialmente, Bashô quis não apenas mostrar um cenário desolado, mas também registrar a tênue perturbação desse ambiente de quietude pelos movimentos de uma ave. Nesse sentido, a primeira versão do haicai utilizava a expressão “tomaritaru ya” no lugar de “tomari keri”, enfatizando, através da conjugação verbal, o momento em que o corvo pousa, ao invés de simplesmente retratar a ave parada e encolhida. Na época, Bashô tinha 37 anos de idade e ainda atuava como mestre filiado ao estilo Danrin. Oito anos depois, com seu próprio estilo consolidado, veio a publicar a versão final do poema. A sugestão de movimento tornara-se mais atenuada, em favor do foco numa situação de tranqüila simplicidade, beirando o trivial. O kigo é aki no kure, sobre o qual pairam duas interpretações: pode se tratar tanto da época de fim do outono como do entardecer de um dia outonal. No original, o haicai conta 5-9-5 sílabas.

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Matsuo Bashô (1644–1694)
kono ume ni
ushi mo hatsu ne to
nakitsu beshi

Tradução:

Sob esta ameixeira
Até mesmo o boi vem dar
Seu primeiro mugido!


Desde a Era Heian (794~1185), a tradição literária recomendava, como fórmula de bom gosto, a combinação da ameixeira em flor com os primeiros trinados do rouxinol, à chegada da primavera. Entretanto, Bashô observou que não era o pássaro que comemorava a nova estação entre os galhos floridos. Em seu lugar, os mugidos do boi é que completavam o cenário. O local era o Santuário Tenmangû, dedicado ao deus da literatura Sugawara-no-Michizane, de onde se avistavam bois e ameixeiras. Este haicai foi escrito em 1676, quatro anos após a chegada de Bashô a Edo (antiga Tóquio), onde trocou o nome de Munefusa para Tôsei. Consoante aos ventos de renovação trazidos pela escola Danrin, à qual Bashô se filiara, este poema reinterpreta um tema clássico, não se limitando a repeti-lo em linguagem coloquial, como na velha escola Teimon, mas introduzindo um elemento de vulgaridade (o boi), de modo a produzir humor e estranhamento. O kigo (termo de estação) é ume (abreviação de ameixeira em flor), pertencente à primavera.

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Bashô (1644-1694)
haru ya koshi
toshi ya yukiken
kotsugomori

Tradução:

Chega a primavera
Ainda que do ano seja
O penúltimo dia.


Segundo o calendário lunar, era de se esperar que o inverno terminasse no último dia do ano. Entretanto, desta vez, a primavera já começou para a astronomia, mesmo faltando dois dias para o ano-novo. Baseado num tanka de Ariwara no Motokata publicado na antologia Kokinshû, o haicai procura tirar graça da contradição de se ver a primavera começar em pleno ano velho, sendo fiel às tradições da escola Teimon. O principal interesse deste poema está em ser o primeiro escrito por Bashô, aos 19 anos de idade, quando ele ainda se chamava Munefusa. Nascido em Iga-Ueno, atual província de Mie, de uma família de samurais de baixa posição, ele acabou sendo empregado como pajem de um jovem senhor, Tôdô Yoshitada, dois anos mais velho. Apesar da diferença de nível social, ambos tornaram-se grandes amigos, compartilhando o gosto pela arte dos versos encadeados (haikai renga), que aprenderam de Kigin. Mas, com a morte precoce de Yoshitada, aos 25 anos de idade, e a incompatibilidade com o novo senhor, Bashô acabou abandonando sua terra. O kigo é kotsugomori (penúltimo dia do ano), e a estação é inverno.

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História do Haicai
Arakida Moritake (1473–1549)
Hattori Ransetsu (1654–1707)
Hattori Tohô (1657–1730)
Hirose Izen (?-1711)
Hori Bakusui (1718–1783)
Ihara Saikaku (1642-1693)
Ikenishi Gonsui (1650–1722)
Imbe Rotsû (1649–1738)
Inoue Shirô (1742-1812)
Kaga no Chiyoni (1703–1775)
Kagami Shikô (1665–1731)
Katô Kyôtai (1732–1792)
Kawai Chigetsu (? – 1708)
Kawai Sora (1649–1710)
Kaya Shirao (1738-1791)
Kitamura Kigin (1624-1705)
Kobayashi Issa 1 (1763-1827)
Kobayashi Issa 2 (1763-1827)
Konishi Raizan (1654-1716)
Kuroyanagi Shôha (1727-1771)
Matsue Shigeyori (1602–1680)
Matsunaga Teitoku (1571–1653)
Matsuo Bashô 1 (1644-1694)
Matsuo Bashô 2 (1644-1694)
Miura Chora (1729-1780)
Morikawa Kyoriku (1656-1715)
Mukai Kyorai (1651–1704)
Naitô Jôsô (1662–1704)
Natsume Seibi (1749-1816)
Nishiyama Sôin (1605-1682)
Nonoguchi Ryûho (1595–1669)
Nozawa Bonchô (?–1714)
Ochi Etsujin (1656-?)
Ôshima Ryôta (1716–1787)
Shiba Sonome (1664-1726)
Shida Yaba (1663-1740)
Sugiyama Sampû (1647-1732)
Suzuki Michihiko (1757-1819)
Tachibana Hokushi (?-1718)
Takai Kitô (1741-1789)
Takakuwa Rankô (1726-1798)
Takarai Kikaku (1661–1707)
Takebe Sôchô (1761-1814)
Tan Taigi (1709–1771)
Uejima Onitsura (1661–1738)
Yasuhara Teishitsu (1610-1673)
Yamazaki Sôkan (? - 1539)
Yosa Buson 1 (1716–1783)
Yosa Buson 2 (1716–1783)
Yosa Buson 3 (1716–1783)
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