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Arquivo Edição 304 - 13 a 19 de abril de 2005 - Especial - Portal NippoBrasil
 

Provérbios do Japão: sabedoria através dos tempos

(Texto: Erika Horigoshi)

Provérbio. De acordo com o dicionário Houaiss: “frase curta, geralmente de origem popular, freqüentemente com ritmo e rima, rica em imagens, que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma regra social ou moral”. Normalmente incorporados ao cotidiano, milhares de pessoas, muitas vezes instintivamente, falam algum provérbio todos os dias. Eles marcam situações inusitadas, são fonte de inspiração para o ensinamento de pai para filho e, conseqüentemente, heranças orais do comportamento e da cultura de um povo.

No Japão, não é diferente. Séculos de desenvolvimento foram marcados com a criação de inúmeros provérbios, adequados às mais diversas ocasiões. Uma fonte rica para o estudo dos usos e costumes do povo do arquipélago, já que muitos desses ditados retratam características específicas de lugares, festas e tradições. Um prato cheio para quem se interessa por esse assunto. Infelizmente, no Brasil, o tema ainda é muito pouco desenvolvido. A professora e diretora do Núcleo de Estudos Japoneses da Universidade de Londrina (UEL), Maria Fusako Tomimatsu é a pioneira no estudo dos provérbios japoneses no Brasil.

Autora de uma tese de doutorado a respeito desse assunto, Maria Fusako conta as dificuldades que teve para realizar suas pesquisas. “Durante o tempo em que desenvolvi esse estudo [a tese], foram quatro anos de pesquisa intensa entre o início e a data em que o defendi. Pela precariedade de material nacional a esse respeito, comecei a imaginar que eu estava sendo, naquele momento, a pioneira no desenvolvimento de uma pesquisa voltada para o estudo dos provérbios japoneses no Brasil”, desabafa.

A riqueza de interpretação, elaboração, ligação literária e retórica foram alguns dos aspectos dos provérbios nipônicos analisados por Maria Fusako. “O provérbio é visto, não só no Japão, mas no Ocidente, como um meio para registrar verdades fundamentais obtidas pela experiência da vida real e para transmitir a sabedoria e a observação do comportamento humano e da natureza em forma de crítica”, diz a estudiosa em artigo publicado na Revista da USP.

Se conviveres com o vermelho, tornar-te-ás rubro. Do original japonês Shu-ni majiwareba akaku naru, eis um provérbio que, no Brasil, seria equivalente ao tão conhecido por aqui Ande com eles e serás um deles, ou ainda Diga-me com quem andas, que te direi quem és. Sua lição fundamental ensina que as companhias têm o poder de influenciar uma pessoa. “É a chamada transmissão de ensinamentos”, diz Maria Fusako.

São transmissões de ensinamento pelo conteúdo, verdadeiros conselhos para a formação de caráter, mesmo caso do provérbio a seguir: O cavalo, experimente montar; pessoas, experimente relacionar-se, em japonês, Uma-niwa notte miyo hito-niwa soute miyo. É preciso saber lidar com as várias situações que a vida oferece e aplicar o tratamento adequado para cada fim.

Fontes de pesquisas culturais, alguns provérbios contextualizam o comportamento dos japoneses em determinadas ocasiões festivas do calendário nipônico, como é o caso deste: Melhor bolinhos que flores, originalmente, Hana-yori dango. Relacionado ao hanami, a ocasião da primavera e da apreciação das cerejeiras muito festejada pelos japoneses, esse provérbio diz respeito ao costume de levar “lanches” para o consumo durante a apreciação do sakura, daí viria a ironia indicando o fato de muitas pessoas participarem da ocasião apenas para comer, deixando de lado a beleza das flores de cerejeira. Outra lição que pode ser tirada é a da valorização do conteúdo além da aparência. “Nos provérbios japoneses, constata-se a presença de argumentos que recorrem à comparação, baseados na concepção de valores contextuais da época. Gramaticalmente, são manifestos pelo uso da partícula yori [é melhor… que …], que indica a comparação de superioridade”, explica Maria Fusako.


*Com a colaboração da professora, pesquisadora e doutora em Comunicação e Semiótica, Cecília Saito, e da especialista Maria Fusako Tomimatsu
 
Saiou ga umá (O Cavalo Sai)

Antigamente, numa aldeia japonesa, vivia um lavrador chamado Sai, que tinha um belo cavalo. Certo dia, o cavalo pulou a cerca e desapareceu. Os vizinhos vieram então consolar o amigo Sai, pois o cavalo era um precioso bem para o trabalho da lavoura. Ao receber as palavras de consolo, o lavrador surpreendeu a todos com a seguinte resposta:

– Quem sabe isso seja um aviso de boa sorte!

Dias depois, o cavalo retornou sem mais nem menos, trazendo consigo outro cavalo. Os vizinhos vieram então cumprimentá-lo por esse lucro inesperado, e o lavrador comentou:

– Quem me garante que isso não seja um sinal de azar?!

No dia seguinte, o filho moço do lavrador caiu do cavalo e quebrou uma perna. Seu vizinhos vieram visitar o rapaz e comentaram:

– Que azar!

Ao que Sai respondeu, novamente:

– Quem sabe isso seja um aviso de boa sorte!

– Aí também é demais – disseram os vizinhos e foram embora.

Mas, alguns dias depois, chegou uma ordem do xogum convocando todos os jovens da aldeia para lutar na guerra. O único dispensado foi o filho de Sai, porque estava com a perna quebrada.

Daí nasceu um provérbio japonês que diz: Ningen banji saiou ga umá que significa “na sorte e no azar, as coisas não são como parecem”.

(Extraído do livro Contos Zenchi, de Claudio Seto)

 
Alguns provérbios e suas interpretações




Azuma-otoko-ni kyô-onna

Tradução: “O homem de Edo e a mulher de Quioto”

Interpretação: Provérbio que reflete ideais estereotipados de homem e mulher. Na Antiguidade, o homem de Edo era tido como generoso e decidido; e a mulher de Quioto, delicada e elegante.




Saru mo ki kara ochiru

Tradução: “O macaco também cai da árvore”

Interpretação: Um especialista também pode errar.




Atama kakushite, shiri kakusazu

Tradução: “Escondeu a cabeça mas não escondeu a bunda”

Interpretação: Não faça como o avestruz, que esconde a cabeça na terra, mas não o resto do corpo. Procure preservar seus defeitos ocultos, para não oferecer armas a seus inimigos.




Kaeru-no ko-wa kaeru

Tradução: “Filho de sapo sapinho é”

Interpretação: Equivalente ao “Filho de peixe peixinho é”, muito falado no Brasil. Significa que as características dos pais são herdadas pelos filhos.

Tanki-wa sonki’
Tradução: “A precipitação (é) perdição”
Interpretação: O caminho para a frustração é agir de forma precipitada.

Nana korobi, ya oki
Tradução: “Caia sete vezes, mas levante-se oito”
Interpretação: Um provérbio de caráter perseverante, que vai contra a desistência diante dos obstáculos para o alcance de um objetivo.

Uma no mimi ni nembutsu
Tradução: Fazer uma oração no ouvido do cavalo
Interpretação: Não ofereça coisas a quem não pode valorizá-las.




Uri-no tsuru-niwa nasubi-wa naranu

Tradução: “Não dá beringela no pé de pepino”

Interpretação: Não há resultados inesperados dentro de uma situação já prevista. Onde não há causa, não há efeito.




Yoraba taiju no kage

Tradução: “Se é para buscar abrigo, que seja sob uma árvore grande”

Interpretação: Faz alusão aos aliados poderosos. Se é necessário depender de algo ou alguém, que ele seja poderoso e valha a pena.

Yanagi ni kaze to ukenagasu
Tradução: “Saber lidar com o oponente, em vez de desafiá-lo (assim como o salgueiro, cujos ramos se flexionam com a força do vento)”
Interpretação: Nem sempre o confronto é a melhor solução. A postura flexível pode melhorar relacionamentos e promover consensos. Trata-se de uma metáfora pela qual, assim como o vento passa pelos salgueiros, uma pessoa deve receber de forma diplomática as reclamações e as críticas alheias.

Hito-to byôbu-wa sugudewa tatanu
Tradução: “O homem e o biombo não param em pé se permanecerem eretos (devem ser flexíveis)”
Interpretação: Para enfrentar as diversidades da vida, é preciso ser flexível.




(Osoroshii monowa) Jishin kaminari kaji oyaji

Tradução: “(As coisas que metem mais medo são) o terremoto, o trovão, o incêndio e o pai”

Interpretação: Para os japoneses, a figura paterna é comparada às grandes catástrofes da natureza, dado o seu poder e o temor que ela inspira.

 

Para saber mais
O universo dos provérbios japoneses é muito vasto. A seguir, o NB elaborou, com a ajuda de especialistas, uma lista bibliográfica para consultas mais aprofundadas.

• Kotowaza jiten (somente em japonês). Senji Yonetsu
Editora: Yuki Shobo (1985)

• Dictionary of proverbs: Kurashino nakano kotowaza jiten. Eiji Orii
Editora: Shuei Sha Co. Ltd; (5th ed.) edition (1965)

• Japanese-English Idioms: Nihongo-Eigo No Kotowaza Jiten (Inglês/Japonês). Trey Roper (Translator)
Editora: Us-Asia Research (December, 1994)

• Koji kotowaza no jiten (em japonês)
Editora: Shogakkan; Dai 1-han edition

• Koji kotowaza monoshiri jiten: Shirazu shirazu Nihongo ni tsuyoku naru (inglês/japonês). Kengo Toyoshima
Editora: Daiwa Shuppan; Shohan edition (1987)

• Kotowaza Nandemo Jiten (em japonês). Compilação de Kunimatsu Toshihide.
Editora: Four Bunko

• Nihongo Journal (revista em japonês)
Set./1996; Jan./2000

• Os provérbios japoneses: considerações sobre o iroha-garuta. Maria Fusako Tomimatsu. Tese de doutorado. (2003) Biblioteca da Universidade de São Paulo.


*Com a colaboração da professora do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília (UnB), Alice Tamie Joko.

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