Sugaru,
o homem que prendeu o trovão
(Por
Cláudio Seto*)
Esta
é uma história da época de Yûryaku,
o 21º imperador do Japão, que reinou entre os anos
456 e 479. Naquela época, a capital nipônica era
Yamato, onde vivia um homem chamado Chiisakobe no Sugaru, que
era um servidor da corte imperial.
O imperador
gostava muito de sua esposa e tinha fama de passar horas e horas
com ela na alcova. Certa ocasião, enquanto sua majestade,
completamente despido, trocava carinhos com a imperatriz, Sugaru
entrou correndo no quarto do casal. Ele foi fechar a porta corrediça
que dava para o jardim interno, pois uma nuvem escura, trazida
pelo vento, anunciava fortes pancadas de chuva.
Sugaru
ficou completamente constrangido ao perceber que o casal imperial
ainda estava na alcova, em colóquio amoroso, e não
no salão de jogos culturais, como de costume naquele horário.
Surpreendido
de modo inacreditável, o imperador ficou muito embaraçado
e, ao mesmo tempo, irritado com aquela inoportuna intervenção.
Naquele
exato momento, porém, o palácio imperial foi sacudido
por um estrondoso ribombar de trovão. O que aumentou ainda
mais o susto e a irritação do imperador.
Sugaru, não perca tempo tentando fechar essa porta. Ao
invés disso, vá prender esse Trovão barulhento,
que vive trazendo chuva para esta região.
Sim, meu senhor. Vou capturar o deus Trovão e trazê-lo
encarcerado respondeu Sugaru, aproveitando para se livrar
daquele cenário embaraçoso.
Ótimo, vá logo, suma daqui, e só volte se
conseguir prender o deus Trovão.
Poucas
horas depois, Sugaru partiu em seu pomposo cavalo branco. Trajava
um elmo de combate e levou consigo alguns guardas palacianos.
A missão parecia impossível, mas Sugaru jamais poderia
contestar uma ordem imperial. Percorreu várias aldeias
perguntando de que lado o Trovão estava fazendo barulho
e seguiu a direção apontada pelos aldeões.
Até que, finalmente, chegou a uma aldeia chamada Karu no
Morokoshi, onde o Trovão ribombava seguidamente. Então,
Sugaru estufou o peito e gritou para o alto:
Escute aqui, seu Trovão barulhento: o imperador quer sua
presença no palácio. Mesmo sendo você o deus
Trovão, não pode recusar uma ordem imperial.
Em
seguida, um grande estrondo derrubou uma árvore próxima
e Sugaru encontrou o Trovão caído e atordoado. Rapidamente,
os soldados amarraram o deus Trovão e colocaram-no em um
palanquim. Em seguida, ele foi carregado ao palácio imperial.
Senhor! Veja, eu trouxe o deus Trovão conforme me ordenou!
disse Sugaru, orgulhoso por ter cumprido sua missão.
Naquele
momento, o Trovão voltou a si e expeliu uma luminosidade
flamejante em forma de raios que chegava cegar os curiosos palacianos.
O imperador ficou atemorizado ao ver aquela luz exageradamente
forte e ordenou que fizessem várias oferendas ao deus Trovão.
Cheio
de presentes oferecidos pelos palacianos, o Trovão foi
levado de volta ao monte onde caiu. Esse local ficou conhecido
pelo nome de Ikazuchi no Oka, ou seja, o Monte do Trovão,
e fica em Asuka, na província de Nara.
Muitos
anos depois, Sugaru veio a falecer. O imperador lamentou bastante
a sua morte e foi feito um velório de sete dias.
Em
seguida, sua majestade mandou construir um grande túmulo
no Monte do Trovão. Ali foi levantada uma placa de pedra
com palavras elogiosas destacando a fidelidade e a honestidade
de Sugaru. Na parte de baixo, havia uma frase que dizia: Aqui
jaz o bravo Sugaru, que prendeu o Trovão.
Olhando
de cima das nuvens, o deus Trovão, ao ver a frase no túmulo
de Sugaru, não gostou nadinha do que leu. Ardeu de raiva
com os dizeres de que ele foi aprisionado por um simples mortal.
Sentiu um grande rancor. Furioso, começou a correr sobre
as nuvens fazendo barulho ensurdecedor, mas pisou em falso e despencou
para a terra. Caiu perto do túmulo de Sugaru. O Trovão
levantou-se furioso e foi espezinhar a lápide onde constava
a frase. Ao dar um chute, a pedra rachou e o Trovão, desequilibrado,
caiu sobre o túmulo. Seu corpo ficou entalado na pedra
rachada, de modo que não conseguia se mover. Assim, o Trovão
ficou preso mais uma vez!
O imperador,
ao saber do incidente, ordenou aos subordinados que deixassem
o Trovão naquela posição durante sete dias
para visitação pública e depois o ajudassem
a se desprender da pedra.
Depois
de libertarem o Trovão, os serviçais do palácio
reconstruíram o túmulo de Sugaru e gravaram nova
frase de autoria do imperador:
Aqui
jaz o bravo Sugaro, que prendeu o Trovão não somente
quando estava vivo, mas também depois que morreu.
|