(Por
Cláudio Seto*)
O
termo kitsune no atae, que literalmente significa oficial
da raposa, é uma denominação
antiga do representante municipal, que preside os festivais
folclóricos de suas cidades. Esse termo teria surgido
no século VIII, durante o reinado do imperador
Kinmei no Japão. Conta a lenda que um rapaz que
vivia em Mino no Kuni atualmente prefeitura de
Gifu, montou em um belo cavalo branco e saiu à
procura de uma linda noiva para com ela casar.
Depois
de cavalgar bastante, por obra do acaso, em uma grande
planície, encontrou uma linda jovem colhendo flores
silvestres. Ele ficou admirado com a encantadora menina,
que abriu um belo sorriso para ele. Seus olhares se cruzaram
e ele sentiu um brilho nas pupilas dela, como se quisessem
seduzi-lo.
O
rapaz aproximou-se educadamente e seu coração
se encheu de alegria. Descendo do cavalo, ele dirigiu
algumas palavras a ela:
O que faz tão bela donzela nesta planície
florida?
Estou caminhando à procura de um bom marido!
O
rapaz levou um choque de encantamento e, timidamente,
propôs:
Aceita ser minha esposa?
Um
tanto ruborizada, a garota abaixou os olhos e respondeu:
Eu aceito!
Poucos
dias depois, o rapaz voltou para sua casa acompanhado
da bela garota. Foi realizada, então, uma grande
festa de casamento. Assim, o tempo passou e o casal vivia
muito feliz.
Tempo
depois, a esposa ficou grávida e um filho saudável
nasceu no dia 15 de dezembro. Exatamente naquela data
e hora, a cadela que o rapaz criava teve um filhote. Os
dias foram passando e o cachorrinho, todas as vezes que
via a bela mulher do lavrador, começava a rosnar
irritado, mostrando os dentes a ela. Às vezes,
chegava a atacar furiosamente e ela ficava tremendo de
medo.
Um
dia, ela pediu ao marido:
Por favor, querido, peço que mate esse filhote
de cachorro que vive me atormentando.
Porém, seu marido ficou com dó de matar
o cachorrinho. O tempo foi passando e chegaram os meados
de fevereiro; época de pilar o arroz em casca para
fazer o beneficiamento.
Então,
a bela esposa entrou na despensa onde estava o pilão
e o almofariz, para preparar a refeição
da tarde. De repente a cadela, mãe do filhote,
avançou rosnando e atacou a bela mulher saltando
sobre ela com muita raiva. Ela ficou paralisada de medo
e tremendo de pavor.
Ao
ouvir os gritos, o marido correu em seu socorro. Mas o
que ele viu o deixou espantado. Sua bela esposa estava
se transformando em uma raposa. Imediatamente, a raposa
subiu sobre um armário para fugir dos dentes afiados
da cadela e disse ao marido:
Desculpe-me querido, a cadela quebrou meu encanto e, no
momento de medo, acabei por revelar minha forma original.
Não sou humana, e sim uma raposa. Mas, creia, eu
te amo como ninguém. Tivemos uma bela convivência
como marido e mulher. Embora por um período curto,
nós fomos muito felizes. A prova da nossa felicidade
é essa linda criança, fruto de nosso amor.
Sei que, conhecendo minha verdadeira origem, é
impossível permanecermos casados, por isso volto
à floresta assim, saltando pela janela,
a raposa desapareceu no mato.
Dizem
que a raposa voltava todas as noites para dormir com seu
marido humano. Desde então, essa raposa encantada
em forma de mulher foi chamada de kitsune (ki= vir, tsu=
ama, ne= dorme). Mas, na realidade, ela volta nos sonhos
do jovem lavrador. Certa ocasião, a raposa encantada
veio visitar o marido trajando com um lindo quimono. Seu
longo traje tinha a cor de rosa do alvorecer e uma elegância
indescritível. Levada pelo vento, ela foi flutuando
para um lugar distante e desconhecido. Desde então,
o marido nunca mais sonhou com ela. Porém, aquela
visão ficou gravada em sua mente ele nunca mais
conseguiu esquecê-la. Ele chegou a escrever poemas
e recitava-os em homenagem a sua amada.
O
garoto filho do lavrador e da raposa cresceu e se tornou
um rapaz de força e rapidez sem igual. Um jovem
muito popular na província, que acabou se tornando
o organizador dos festivais de primavera e da colheita.
E, por ele ser conhecido como filho da raposa (kitsune),
o cargo de organizador dos festivais passou a ser chamado
de Kitsune no Atae. Porque atae é o
nome dado ao representante (oficial) municipal para ocasiões
festivas.
|