Ruth
defendeu tese sobre imigração japonesa: dekasseguis
vão ao Japão para enfrentar trabalho duro |
(Reportagem
e Foto: Cinthia Yumi/NB)
No ano do
centenário da imigração japonesa, o Nippo-Brasil
traz uma entrevista exclusiva com a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, esposa
de Fernando Henrique Cardoso, presidente do País de 1995 a 2003.
Antes de entrar para a história da política nacional, a
antropóloga e socióloga escreveu uma tese de doutorado intitulada
Estrutura familiar e mobilidade social: estudos dos japoneses no Estado
de São Paulo, de 1972. Vinte e cinco anos depois, em 1995, a tese
transformou-se em um livro editado em japonês e português
com tradução de Masato Ninomiya.
Nessa entrevista,
a socióloga expõe suas opiniões sobre os imigrantes
japoneses no Brasil e faz um comparativo com os dekasseguis. Com a experiência
de quem vive na elite brasileira, ela sempre mostra uma visão otimista
da situação econômica do País e diz que não
vê o fenômeno dekassegui como resultado da falta de oportunidade
de trabalho no Brasil. Hoje há um número muito maior
de pessoas formadas, com qualificação. O mercado de trabalho
está mais acirrado. Mas ir para outro país trabalhar é
uma decisão individual, diz ela.
A entrevista
aconteceu na sede da Universidade Solidária (UniSol), em São
Paulo, da qual Ruth é sócia-fundadora. Muito simpática,
a antropóloga demonstrou prazer em conversar sobre a imigração
japonesa e o centenário no Brasil.
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Nippo-Brasil:
Seu livro Estrutura familiar e Mobilidade Social trata sobre a inserção
dos japoneses no Brasil, e, especificamente no Estado de São Paulo.
Falando em herança cultural familiar, o que ficou dos primórdios
da imigração para as gerações de hoje?
Ruth Cardoso - O caso da imigração japonesa é
muito especial e interessante porque os japoneses tiveram uma assimilação
rápida, apesar das diferenças culturais. Por outro lado,
eles conseguiram preservar a cultura tradicional. Foi um processo que
permitiu a junção do tradicional aplicado à realidade
brasileira. Ou seja, houve uma grande integração, mantendo
a identidade nipo-brasileira.
NB - A senhora
acha que as novas gerações têm orgulho em carregar
o DNA japonês?
RC - Com certeza. As gerações mais jovens têm
desenvoltura e valorizam a cultura japonesa. O Japão tem uma imagem
positiva, de um país sério, que deu certo. Isso faz com
que os descendentes se sintam orgulhosos. O Japão é o exemplo
de que, para ser global, não é necessário perder
as características próprias.
NB - Em
sua opinião, em cem anos de imigração no Brasil,
quais foram os principais trunfos no relacionamento Brasil-Japão?
E os fracassos?
RC - Houve alguns momentos dramáticos como a lei de cotas,
nos anos 20, na tentativa de diminuir o fluxo migratório, a guerra
e o pós-guerra. Mas, a partir daí, acredito que a comunidade
nipo-brasileira começou a se desenvolver no Brasil. Hoje temos
grandes nomes na sociedade, ou seja, imigrantes e descendentes totalmente
integrados à sociedade.
NB - Como
primeira-dama, a senhora esteve no Japão por quantas vezes acompanhando
o presidente? Quais as recordações mais importantes?
RC - Estivemos no Japão por duas vezes. Fomos recepcionados
pelo imperador Akihito e pela imperatriz Michiko, sempre muito simpáticos
e cordiais. Esses encontros seguem certas regras. De maneira geral, o
presidente conversa com o imperador e, eu, com a imperatriz, em inglês.
Mas um encontro especial do qual me recordo foi no Brasil, na ocasião
dos cem anos de amizade entre o Brasil e o Japão, em 1995. Foi
emocionante porque a imperatriz solicitou um encontro com algumas pioneiras
do Kasato Maru, entre elas a falecida Tomi Nakagawa.
NB - Neste
ano, o casal imperial estará ausente. Falhamos na organização
dos eventos?
RC - Não, de maneira nenhuma. A agenda dessas pessoas é
muito cheia mesmo. Além disso, temos de considerar a idade deles
e a viagem que é longa. Não acho, em hipótese alguma,
que seja falta de consideração.
NB - Há
quem diga que o fenômeno dekassegui se consolidou por causa da difícil
situação econômica do Brasil. No caso dos nikkeis,
são muitos universitários que deixam de exercer suas funções
para se tornar mão-de-obra não qualificada no Japão.
E pior, são filhos de imigrantes que se sacrificaram para pagar
a faculdade dos filhos. A senhora concorda que a situação
desses pais é frustrante?
RC - Acho que se trata de uma decisão individual e voluntária.
Essas pessoas decidem ir ao Japão em busca de um sonho de estabilidade
financeira, de permanecer um tempo por lá e voltar ao Brasil. E,
embora haja essa comunidade de brasileiros permanente por lá, muitos
voltam ao Brasil depois de conquistar seus objetivos.
NB - Mas
a situação do dekassegui hoje é mais difícil
do que a do imigrante no Brasil do início do século 20?
RC - Com certeza. Quando o imigrante japonês veio ao Brasil,
ele chegou aqui num cenário econômico mais favorável.
O imigrante, ainda que diante de tantas dificuldades, pôde comprar
terras e prosperar economicamente. Além disso, o governo japonês
apoiou esses imigrantes por meio das companhias de imigração.
Havia um apoio governamental muito grande naquela ocasião. Hoje,
os dekasseguis vão ao Japão para enfrentar um trabalho duro.
Além disso, há a cobrança do idioma japonês,
uma vez que levam no rosto os traços orientais.
NB - A senhora
acha que o governo brasileiro poderia pensar em uma política de
migração ou emigração?
RC - O governo brasileiro procura dar respaldo por meio de programas
de orientação, apoio nos casos de criminalidade envolvendo
brasileiros, incentivo no aprendizado do idioma japonês. Mas, de
maneira geral, não acho que o governo deva criar políticas
de emigração, porque isso não é interessante
para o nosso país. Quando o Japão incentivou a emigração,
o país necessitava que os seus cidadãos fossem buscar meios
de sobrevivência em outros países. Esse não é
o caso do Brasil.
NB - Mas
o Conselho Nacional de Imigração, que é vinculado
ao Ministério do Trabalho, pela primeira vez, pensa em adotar medidas
relativas aos emigrantes brasileiros. O que a senhora acha disso?
RC - Bem, acho interessante que o governo demonstre esse interesse,
mas não acho que deva ser uma prioridade de governo, um item das
diretrizes políticas de nosso país.
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