Zashi
- Você disse em várias entrevistas que só
conseguiu escrever Medo e submissão depois de ter
digerido essa experiência vivida. O mesmo se aplica
ao seu novo romance, Nem Eva nem Adão?
Amélie Nothomb - Absolutamente. Precisei de 8
anos para digerir uma experiência ruim e de 16 anos
para digerir uma experiência boa. Eu descobri que
levo muito mais tempo para assimilar as coisas boas. Estamos
mais acostumados a esperar que aconteçam desgraças
na vida.
Zashi
- Como foi viver duas experiências tão diferentes
ao mesmo tempo no Japão: o sofrimento no mundo
do trabalho e uma história de amor?
Amélie - Foi um contraste extremo. Acho que
é por isso que o Japão é um país
fascinante.
Zashi
- Tenho a impressão de que Metafísica dos
tubos fala de um encantamento e de uma visão ilusória
sobre o Japão
Amélie - Sim, exatamente isso.
Zashi
-
Medo e submissão é mais uma crítica
e também uma decepção. Decidir escrever
sobre o amor nesse novo romance seria uma reconciliação
com o país?
Amélie - Não penso que seja uma reconciliação,
porque não fiquei chateada. Decidi escrever também
sobre uma experiência amorosa, porque tinha o desejo
de fazer um quadro completo do país. A vida profissional
no Japão é terrível, ainda mais para
uma mulher e estrangeira. Para mim, foi um inferno.
Zashi
- Em Metafísica dos tubos, você diz que você
decidiu ser japonesa. Como foi isso?
Amélie - Eu era pequena, tinha 3 anos de idade.
Foi quando percebi que meus pais não eram japoneses,
eram belgas, e que havia os japoneses. Eu via meus pais,
que me tratavam de maneira normal, e a governanta da casa,
que era uma japonesa e me tratava como se eu fosse um
pequeno deus, pois eu era uma criança e assim as
crianças são tratadas no Japão. Foi
assim que eu decidi ser japonesa.
Zashi
- E houve uma mudança sobre o que é ser
japonesa quando você voltou para o país,
contratada como funcionária de uma grande empresa?
Amélie - Completamente! Eu não tinha
mais idade para ser tratada como deus. Ao mesmo tempo
em que as coisas não eram tão simples na
empresa, tudo ia bem no meu namoro com um japonês.
Antes de eu ir para o Japão, todo mundo me dizia:
Cuidado com os caras japoneses, eles são
muito machistas. Não foi o caso. Eu o conheci
e me apaixonei.
Zashi
- Você ainda se considera japonesa?
Amélie - Acho que sou uma japonesa que
deu errado. O Japão é o meu país
preferido, mas não posso ser uma japonesa.
Zashi
- Eu acho que, de uma certa forma, você também
é japonesa.
Você poderia ter pedido demissão na empresa
e não o fez. Parecia questão de honra.
Amélie - Foi uma questão de honra. Eu
não estava lá para fazer uma revolução.
Eu queria me integrar à sociedade. Não era
humilhante para mim ter que limpar o banheiro. Mais humilhante
teria sido pedir demissão.
Zashi
- Então, neste aspecto, você foi uma japonesa
que deu certo.
Amélie - Com certeza.
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