Leonardo
Sakamoto
Além
de defensor dos direitos humanos, jornalista é
ativista da ONG Repórter Brasil
É
praticamente impossível falar em jornalismo social
no Brasil sem tocar no nome de Leonardo Sakamoto. Defensor
dos direitos humanos e com forte atuação
no combate ao trabalho escravo, ele foi um dos idealizadores
da ONG Repórter Brasil, uma espécie de agência
de notícias sociais. Seu currículo é
recheado de troféus, como o XXV Prêmio Vladimir
Herzog de Anistia e Direitos Humanos (2003) e o Prêmio
Combate ao Trabalho Escravo (2006). Outro ponto que incrementa
o prestígio do jornalista são as coberturas
marcantes, como as das guerras civis da Angola e do Timor
Leste. Apesar de tantos acontecimentos, Sakamoto é
uma pessoa simples, que, em uma curta conversa, consegue
despertar em qualquer um a vontade de lutar por um mundo
melhor. Em meio a muitos compromissos, o jornalista conseguiu
um tempinho para um produtivo bate-papo com a equipe Zashi.
Confira!
Zashi - Você é um dos grandes nomes do
jornalismo social. O que o motivou a seguir essa área?
Leonardo Sakamoto - Eu sempre gostei dessa área,
antes mesmo da área social, antes mesmo de fazer
jornalismo. Encaro o jornalismo como um instrumento com
grande potencial de mudança social. Não
gosto quando as pessoas dizem que a função
do jornalismo é simplesmente informar, até
porque isso não existe. Na prática, o nosso
ato como jornalista é um ato político forte,
você faz escolha, você escolhe fontes, escolhe
lados a todo momento. A imparcialidade não existe
e, compreendendo isso, prefiro tomar partido daqueles
que têm sido sistematicamente excluídos da
sociedade. Não tenho vergonha nenhuma de dizer
que escolhi o jornalismo para mudar o mundo. E acredito,
sim, que isso é possível.
Zashi-
Como surgiu a idéia de criar o Repórter
Brasil e quais as principais conquistas dessa ONG?
Sakamoto - A Repórter Brasil nasceu em 2001,
pela necessidade de um grupo de pessoas que queriam um
novo caminho na imprensa. Não falamos em grande
imprensa, imprensa pequena, ou qualquer tipo de imprensa.
O veículo de mídia é um. Queríamos
traçar um caminho diferente, tanto é que
temos parceiros na grande imprensa, na mídia alternativa,
na especializada. Não é preciso estar fora
da grande mídia para ser correto. Isso é
ridículo. Mesmo nos veículos mais conservadores,
ou que defendem um lado mais elitista, há trincheiras
de colegas lá dentro que vão tentar apontar
um outro lado, colocar um outro ponto de vista e tentar
organizar uma espécie de resistência armada
dentro da redação.
Eu
já trabalhei muito tempo em grandes veículos,
em revistas, em agências de notícias. E achava
necessário criar uma coisa, um ser novo, que pudesse
dar vazão a todas as nossas ansiedades, nossas
necessidades, por um instrumento que fosse mais rápido,
que fosse inteiramente dedicado àquilo, e não
apenas em tempo parcial. Nós conseguimos vitórias
na imprensa? Sim! Conseguimos emplacar uma coisa ali,
outra ali. Mas não o tempo inteiro.
A
idéia da Repórter Brasil surgiu para trazer
à tona e pautar a opinião pública
sobre os flagrantes de desrespeito aos direitos fundamentais
que acontecem pelo Brasil. A gente priorizou, inicialmente,
as pequenas comunidades, que são exploradas, marginalizadas,
e como aquilo se reproduzia em escala nacional. Porque,
na verdade, o problema de uma pequena comunidade é
existirem milhares iguais a ela. Isso porque as formas
de exploração dessas comunidades são
as mesmas. Temos parceria com veículos, estamos
em portal na internet e há pequenos veículos
que publicam nosso material.
Como
se vê todos os dias flagrantes de desrespeito aos
direitos humanos, você fica pensando se o seu trabalho
como jornalista é o suficiente. Aí, chega-se
àquela linha tênue entre a participação
e a observação. E eu acabei fazendo a opção
de atuar diretamente nessas comunidades. E para quem pergunta:
Ah, mas essa é sua função como
jornalista?, a minha resposta é: essa é
minha função como ser humano.
Zashi
- Em meio a tantas reportagens sociais, imagino que você
tenha se emocionado diversas vezes. Dentre esses trabalhos,
existe algum que considera especial? Por quê?
Sakamoto - É complicado. Todas essas matérias
mexem de certa forma. Eu viajei bastante. E uma viagem
que me sensibilizou muito foi para a cobertura da guerra
civil do Timor Leste. Eu fiquei mais de um mês na
ilha cobrindo uma resistência timorense que estava
lutando contra a Indonésia. Eu vi fome, morte,
tudo isso. Eu me sensibilizei muito, mais até do
que com a Angola. O Timor foi um ponto de reflexão
muito forte. Desgraça a gente vê em todos
os pontos do Brasil, você vê pessoas reduzidas
a instrumentos de trabalho, com o trabalho escravo, vê
famílias no sertão nordestino, você
vê muita coisa. Isso é claro que mexe com
a gente. Cada vez que você volta de uma viagem dessas,
fica estremecido, mas, no Timor, vi uma situação
extremamente complicada, de sujeição, de
transformação de muitas pessoas em animais
durante o domínio da Indonésia. Mas, ao
mesmo tempo, vi uma população muito esperançosa.
Eles almejavam a liberdade, tinham a esperança
de que eram capazes de alcançar seus objetivos.
Era um contraste muito forte e isso mexeu comigo. Ao contrário
de Angola, onde vi cenas tão fortes quanto, mas
a população não tinha mais esperança.
Essa coisa do contraste entre a dor e a esperança
é algo que mexe muito comigo. As coisas chocantes,
as cenas de dor marcam, mas você sabe explicar
é falta de comida, é falta de liberdade.
Agora o que não se consegue explicar simplesmente
com palavras vai mexer com você por um longo prazo,
vai lhe transformar. É aquilo que você vai
ficar se perguntando a todo momento Por quê?.
O mesmo material que alimentava os sonhos dos timorenses
é o material que alimenta a minha esperança
de mudar as coisas. Isso marca, essa contradição,
essa impossibilidade de responder uma pergunta é
o que marca.
Zashi
- Além de repórter, você já
atuou como professor. Na sua opinião, qual dessas
duas profissões oferece mais oportunidades para
desenvolver o espírito social nas pessoas e por
quê?
Sakamoto - As duas funções têm
importância muito parecida. Elas atuam no mesmo
sentido de formação. O jornalista que achar
que não forma está cometendo um crime, porque
ele forma opinião. Não só opinião,
ele forma conceitos, ele baliza pensamentos. Então,
as duas profissões são igualmente importantes.
O professor de jornalismo tem uma dupla função.
Ele vai acabar formando formadores. Eu sou
a favor da escola de jornalismo, mas não sou a
favor da obrigatoriedade do diploma. Como há um
debate sobre a profissão e o diploma, ninguém
pensa que é uma coisa de meio termo. É claro
que o mercado é importante, mas não acho,
contudo, que a escola de jornalismo não forma.
Ela forma, sim, mas deveria ter um papel maior do que
ela tem hoje. O debate sobre o diploma acaba encobrindo
tanto os defeitos do mercado, como os da faculdade. O
curso de jornalismo no Brasil precisa de um banho de realidade,
de um contato social mais forte, precisa pensar mais na
sociedade, e não apenas em si mesmo.
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